terça-feira, 19 de agosto de 2014

Criar um filho bilíngue não é ensinar outra língua!

A afirmação do título pode parecer contraditória, mas permita-me explica-la.

Em diversas ocasiões, perguntaram-me como eu estava ‘ensinando’ inglês para meus filhos. Em muitos casos, a ideia de quem me perguntava isso era de que eu ensinava a ela da mesma forma que as escolas de inglês fazem: sentando-a em uma cadeira e começando a falar “em inglês, a cor vermelha se chama red. Red. Então, para falar maçã vermelha, falamos red apple”.

Essa é uma boa forma de ensinar um idioma, mas não funciona com crianças muito pequenas e não tem nada a ver com uma criação bilíngue.

Um filho bilíngue aprende as duas línguas da mesma forma. Isso significa que não se usa um idioma como instrumento para ensinar o outro. A criança está aprendendo a decifrar o mundo, e seu conhecimento ao nascer é [praticamente] o mesmo em qualquer língua (nulo).

Por isso, seu aprendizado da segunda língua deverá ocorrer de forma natural e interativa. A criança deve aprender experimentando, convivendo e interagindo com o idioma. Se a criança nunca viu um liquidificador, ela não lhe atribuiu nenhum nome ainda, em nenhuma língua. Ao ver um pela primeira vez, recebe a informação de que “that’s a blender”. Agora a criança já atribuiu um nome ao objeto (Blender).

Se uma semana depois, recebe a seguinte informação “isso é um liquidificador”, a criança vai entender que ‘liquidificador’ é outra forma de falar ‘blender’.

Em todos os idiomas que conheço, existem sinônimos. Palavras diferentes para significar a mesma coisa ou coisas muito parecidas. Temos diversos exemplos em português:

Montanha, morro, colina, monte. // Mar, oceano, pélago. // Carro, automóvel, veículo.

O mesmo ocorre em inglês:

Mountain, cliff, mount, hill. // Sea, ocean. // Car, automobile, vehicle.

Apesar de existirem leves diferenças entre o uso das palavras citadas, podemos considera-las como sinônimas. Ninguém deixará de ser compreendido se usar o termo oceano no lugar de mar. Diante disso, vemos que é natural às crianças (e aos adultos) atribuírem mais de um nome a um mesmo objeto.

Agora que já sabemos que não existe problema em saber dois nomes para o mesmo objeto, gostaria de fazer um alerta sobre a criação de uma criança bilíngue:

É normal que a criança bilíngue tenha um idioma dominante, que será aquele que ela falará mais. É normal, também, que o idioma dominante se altere com o tempo, ora um ora outro. É importante para os pais respeitar essa escolha, mas nunca abrir mão do idioma ‘secundário’. Em uma criação OPOL onde a mãe fica em casa, é normal que a criança desenvolva um vocabulário maior no idioma da mãe devido ao convívio. O pai, então, pode se deparar com situações onde a criança sabe a palavra apenas no idioma da mãe. Nessa situação, é importantíssimo que o pai não traduza para o idioma da mãe.

Vou dar um exemplo para explicar. Uma família OPOL onde o pai fala inglês e a mãe português (qualquer semelhança com a situação de quem vos escreve não é mera coincidência rs). Todos os dias, a mãe é a responsável pelo banho. Ela pede pra seu filho “entre na banheira, por favor”. O filho já sabe o que é a banheira.

Imaginem que a mãe peça para o pai dar o banho um dia, e ele prontamente o faz. Ele então pede ao filho “can you get in the bathtube, please?”. O filho não conhece a palavra bathtube, então o pai tem algumas possibilidades. Ele pode apontar e mostrar para o filho o que é bathtube (banheira). Ao ver seu pai apontando para a banheira, a criança irá entender que ambas as palavras se referem ao mesmo objeto.

Caso o pai tenha recebido outra tarefa, também relacionada à hora do banho, como comprar uma banheira maior. O pai, já na loja, fala para o filho que “we’re going to buy you a new and bigger bathtube”. Dependendo da idade, o filho vai perguntar para o pai “o que é isso?”. Crianças pequenas vão fazer uma cara de interrogação apenas. Nesses casos, o pai explica para o filho o que é uma bathtube. “It’s where we put water to clean you up. Mommy usually does it.”

Por que o pai não deve simplesmente falar “bathtube is a banheira”?

Dar a palavra em português, nesse caso, reforçaria a ideia de que o português é o idioma base, enquanto o inglês é o acessório. Ao se criar uma criança bilíngue, esse tipo de raciocínio deve ser evitado ao máximo. Uma língua não pode pesar mais do que a outra. Ambas devem ter o mesmo peso na vida da criança.
Ainda, em uma situação OPOL onde aquele pai que fala a língua minoritária entende a língua majoritária, ou em uma situação ML@H onde os pais entendem a língua majoritária, a criança pode deduzir que o esforço para utilizar a língua minoritária não compensa.

Algo do tipo: “Se eles também falam português, pra que eu vou me dedicar para falar inglês?”.

Mesmo com esse cuidado, isso pode acontecer. O importante é se manter irredutível. Mesmo que a criança se recuse a falar um idioma, ela ainda irá conviver com ele. Ela terá o que chamamos de fluência passiva. Transformar a fluência passiva (ouvir) em ativa (falar) é muito mais fácil do que ensinar a língua do zero. Então, mesmo que seu filho se recuse a falar o idioma, vale a pena insistir e “ensinar” a outra língua para ela. Acredite, o bilinguismo é um enorme presente que você dará para seus filhos!

Um grande abraço,



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...