quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Em que língua devo disciplinar meu filho?

Birra ou tantrum? Chega ou enough? Castigo ou time-out?
No caso de crianças bilíngues, como devemos disciplinar nossos filhos?

Essa dúvida veio da leitora Bianca, e tomei a liberdade de respondê-la com um post.
Irei relatar aqui o que fazemos e os motivos que nos levaram a agir dessa forma. Ainda assim, quem tem filho sabe que não existem fórmulas mágicas e que cada teoria, na prática, é de um jeito.

Nós buscamos manter o mesmo padrão de 'cada pai, uma língua', incluindo quando precisamos dar uma bronca ou uma explicação.
Nesse caso, porém, não fazemos uma tradução simultânea. Nós seguimos a conversa.

Por exemplo, se a Patty diz:
"Como você iria se sentir se seus amiguinhos não dividissem os brinquedos?"
Eu continuaria com:
"You would fell sad, right? And that's exactly how your friends fell when you don't share your toys."

Obviamente, uma certa repetição é inevitável quando estamos explicando algo a um toddler (inclusive, é desejada para que a mensagem seja bem fixada rs). Porém, temos que tomar cuidado para não fazer uma tradução, dando a ideia de que a criança "não precisa" entender nas duas línguas, pois, como já falei algumas vezes, se a criança perceber que só precisa saber uma das línguas, ela pode preferir usar o seu tempo de aprendizado para outras coisas.

Essa abordagem é mais fácil para casais que falam ambas as línguas, pois um já sabe o que o outro disse. Em alguns casos, porém, um dos pais não conhece o outro idioma ou cada um vai falar sobre o assunto em um momento diferente. Nesses casos, é natural que o segundo queira se 'certificar' de que a criança aprenda e queira repetir toda a conversa novamente.
Essa segunda conversa deve ser feita de forma bem cuidadosa por três grandes motivos, sendo que apenas um trata do bilinguismo.

Então, se um dos pais já explicou para a criança o que ela fez errado e já a disciplinou:
1. A criança já ouviu a explicação em uma língua. Como estamos criando filhos bilíngues, essa explicação já deve ser suficiente para que a criança entenda;
2. A mãe/o pai já disciplinou a criança. Repetir a explicação irá passar para à criança a ideia de que você não confia na explicação dada pelo pai/mãe e que a criança só deve ouvi-la se você "ratificar" a explicação. 
3. A criança já ouviu a explicação uma vez. É muito provável que ela ainda não tenha tido tempo de aplicar o novo comportamento, então, na prática, ela irá receber duas broncas pelo mesmo motivo. Isso pode frustrá-la, pois ela pode achar que o pai/mãe não acredita que ela irá melhorar aquele comportamento com apenas uma conversa.

Feitas essas ressalvas, acho que uma segunda conversa pode ajudar em alguns casos. Por exemplo, ao invés de dar outra bronca, converse com a criança sobre a 'bronca' e peça para ela te explicar o que ela aprendeu. Isso demonstra interesse na vida da criança e dá a ela a sensação de que a bronca já passou e que agora ela já aprendeu. (lembre-se de perguntar das coisas boas também)
Para as crianças bilíngues, ainda é uma chance de fornecer vocabulário para a criança no segundo idioma. 

Voltemos ao exemplo. A Patty já conversou com as crianças sobre dividir durante o dia, de noite, peço para eles me contarem o que aconteceu e como foi a conversa.
Se ela me contar em inglês, ótimo, pois já mostra que ela possui aquele vocabulário.
Se ela me contar em português, eu posso reafirmar o que ela diz em inglês, para que ela conheça o vocabulário no outro idioma.
"Eu não dividi os meus brinquedos e a mamãe falou que isso fez meus amigos ficarem tristes."
"Very nice, darling. Now you know that when you don't share your toys, your friends will be sad."

Existe um outro aspecto bastante relevante acerca de dar broncas em outro idioma. A escolha do idioma para dar a bronca deve fazer sentido para a criança.
Isso significa que se o pai sempre usa o português para falar com os filhos, porém sempre usa o japonês para dar broncas, os filhos irão associar o japonês com uma interação negativa. No longo prazo, isso pode gerar uma resistência em utilizar o idioma.
Em alguns casos, o outro idioma é utilizado para 'preservar a criança' de eventual humilhação. Nesse sentido, a língua é utilizada para dar maior privacidade à criança.
Esse segundo caso se aproxima mais do ML@H, onde a família usa um idioma diferente da comunidade onde habitam. Em situações como essa, a criança logo entenderá que você está usando o outro idioma para não precisar sussurrar ou ir para um outro lugar. 

Como sugestão, com base em tudo que eu disse, sugiro que vocês continuem usando cada um uma língua, tomando cuidado para não ficarem traduzindo um ao outro, com a única hipótese para mudar de língua sendo para falar algo em público que, caso não mudassem de língua, teriam que sussurrar. 

Espero ter ajudado =)

Um grande abraço,



sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A pressa é inimiga do bilinguismo!

"Cada criança tem o seu ritmo."

Eu complemento com "inclusive crianças bilíngues". 

Apesar de termos algumas hipóteses, não temos certeza do porque a Yuna andou antes do William ou do porque ele manipula melhor alguns brinquedos. Talvez seja porque ela teve uma atenção mais individualizada, em um momento que eu passava mais tempo em casa junto com ela e minha esposa, enquanto ele teve que se acostumar a brincar sozinho mais cedo.

Mas não importa o motivo. O que eu sei é que cada um tem o seu ritmo de desenvolvimento e isso é absolutamente normal. Sei também que existem faixas de normalidade, e que apenas em casos muito fora da curva alguma atenção especial deve ser dada à questão. (Em relação à pronúncia, já tratei do tema nesse post).

A Yuna, com dois anos, já era uma matraquinha. Lembro que contávamos as palavras delas e acompanhávamos sites infantis para ver como ela estava. Ríamos de prazer ao vermos que ela tinha um vocabulário de mais de 200 palavras quando os sites citavam como esperado até 50. Obviamente, ver que seu filho está acima da média em algo é positivo, mas sabemos que a média é uma informação muito pobre para significar muita coisa.

Recentemente, o William completou dois anos. Vemos que seu vocabulário era muito limitado em comparação com o da irmã. Dessa vez, ele mal chegava na média em alguns casos. Mas nós olhamos para ele e vemos ele se desenvolver maravilhosamente bem, em um ritmo acelerado, porém, no ritmo dele. Enquanto a irmã sempre pareceu mais velha do que era, ele aparenta a idade que tem (apesar de ser bem alto para a idade). Ele tem um jeito gostoso de 'bebezão' que derrete qualquer coração. Ele fala poucas palavas, mas pronuncia sons que a irmã demorou mais para pronunciar.

Uma das hipóteses é a de que nós estávamos ansiosos. Nós queríamos que nossa primeira filha andasse pela primeira vez. Nós queríamos que ela falasse suas primeiras palavras logo. Nós queríamos fotografar seu primeiro dente.
Com o segundo filho, nós não sentíamos aquela pressa de colocá-lo para andar. Obviamente, nós o incentivamos continuamente, mas sabendo que ele vai andar normalmente quando adulto, independentemente de ter andado com 9 meses ou com 18 meses. Sabemos que ele vai falar bem (e ser bilíngue), mesmo falando 'sasassaurs' ao invés de 'dinosaurs' com dois anos.

Hoje, nossa situação está assim:

A Yuna está com 4 anos, estudando em escola brasileira (em português). Ela fala muito bem. Consegue se explicar nas duas línguas, embora ainda cometa alguns deslizes.
Para ela, 'alguém' e 'ninguém' são sinônimos. Então ela usa o 'neguém' para tudo.
Para ela, 'amanhã' e 'ontem' são sinônimos. Então ela usa o 'amanhã' ou o 'tomorrow' para ambos.
Ela traduz algumas coisas de uma forma linda, como 'to dream' não é sonhar para ela, e sim 'sonecar'.
Por outro lado, ela me surpreende com palavras elaboradas que aprendeu em filmes e jogos, como "ginormous".

O William, por sua vez, fala menos. Ele consegue mostrar o que quer, seja falando seja apontando. Ele fala coisas que só uma criança de dois anos consegue falar. Enquanto a irmã chamava cólo de "kawawá", ele chama de "kawáwa". Ele sempre pede pra dormir com a 'turtle' e com o 'nana dear' (panda bear). E ele tem certeza que o plural de 'car' é 'carses'. (e quem sou eu para corrigir meu pequeno gollum rsrs)

Em casa, minha esposa flexibilizou o OPOL. Enquanto a Yuna está na escola, ela usa o inglês com o William. De tarde, usa o inglês com a Yuna e o português com o William, enquanto eu sempre mantenho o inglês com ambos.
Mas com esses horários modernos, acabo chegando em casa tarde, e fico menos do que 4 horas com eles por dia.

Em família, posso perceber uma tendência em migrar para o ML@H (onde a família, entre si, usa o idioma minoritário). Começamos a usar o inglês para nos comunicar entre nós, nas mais variadas situações. Não foi nada combinado ou planejado, mas está acontecendo. Talvez seja uma forma de 'ensinar pelo exemplo', quem sabe rs.

Sinto que estou passando alguns de meus gostos para eles rs.



PS.: De quando terminei o post, até terminar de revisá-lo, o William entrou naquela fase de aprendizado relâmpago. Ele aprende algumas palavras novas por dia e as usa conosco. Sua pronuncia ainda é a de um bebê, então 'milk' é 'kilk' ou 'kuk' dependendo da frase. Vemos também que ele possui um vocabulário muito maior em inglês. Cerca de 80% das palavras dele são em inglês.
Sei que isso é um processo normal, a Yuna também passou por isso. A preferência por uma língua é normal e não significa que a criança não usará a outra. Nós optamos por deixá-los livres para usar qualquer idioma, pois não queremos que eles pensem que são obrigados a usar o idioma X. Isso poderia criar certa resistência ao idioma.
Yuna escolheu o inglês para brincar com o irmão, possivelmente isso ajuda na preferência dele pelo inglês, mas é só uma teoria.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Construindo vocabulário para crianças bilíngues

Quem lê, decora.
Quem vê, aprende.
Quem faz, não esquece.

Isso é verdade para línguas também. Chegar para alguém com uma lista de vocabulário sobre determinado assunto e pedir pra pessoa ler e aprender é uma tarefa estafante, pois dificilmente dará frutos. Usar flashcards é uma ideia melhor, pois facilita o estabelecimento do signo, uma vez que o significante e o significado são dados.

Existe, contudo, uma forma ainda melhor de ensinar e a mais indicada para crianças: experiências.

Uma criança só terá em seu vocabulário termos que ela use ou saiba utilizar. Isso é verdade para adultos também. Homens não costumam saber muitos termos de maquiagem enquanto que mulheres costumam penar para distinguir ferramentas. Isso tudo considerando uma pessoa monolíngue em relação ao seu idioma nativo.

Cada realidade possui seu conjunto próprio de termos. Para médicos: suturar, incisão, BPM etc. Para advogados: prevaricar, intimar, autuar etc. Para mecânicos: carburador, cárter etc. Comunicadores: signo, significante, receptor etc. Contadores: livro-caixa, balancete, soma-zero etc. Pais: mijão, body, coeiro etc.

Perceba que esses termos só costumam ser usados (e compreendidos) nessa realidade. Sendo assim, não são todos que são familiarizados com os mesmos.

Da mesma forma, uma criança bilíngue só terá em seu vocabulário termos que façam parte de sua realidade. Vamos pensar em uma criança bilíngue que nunca brincou com giz fora da escola monolíngue. Nesse caso, é seguro crer que essa criança não conhecerá a palavra ‘chalk’ (giz).

Nesse sentido, é importante proporcionar novas experiências para as crianças em uma criação bilíngue.

Uma boa sugestão é pintar (um quarto, uma parede ou um desenho) com a ajuda dos filhos. Aqui, eles poderão aprender termos como: tinta, pincel, parede, pintar, cores, molhado, seco, por cima (como em pintar por cima), balde, escada.

Nesse final de semana, nós decidimos brincar de arte com eles. Pintamos com cola e glitter, desenhamos com tinta e brincamos com giz.
Curiosamente, o termo que mais marcou a Yuna foi ‘Art’. Ela não conhecia o termo em nenhuma das línguas e ficou super feliz falando que ‘estaba pazendo arte’.

Outras dicas do que fazer com seus filhos bilíngues para aumentar a exposição a um idioma:

- Brincadeiras com objetos novos (baralho, dados, bexiga, blocos);

- Cozinhar (nomeando os utensílios e ingredientes e deixando a criança manuseá-los) – aqui a criança aprende o nome dos instrumentos, dos alimentos e dos procedimentos como ferver, cozer, fritar, assar, descascar, picar, moer, fatiar etc.;

- Organizar a casa (nomeando as partes da casa, os instrumentos usados e deixando a criança ajudar) - palavras que a criança pode aprender: sala, cozinha, banheiro, quarto, sofá, cama, tapete, vassoura, pá de lixo, aspirador, pano, balde, chão etc.

- Plantar uma árvore/horta – terra, semente, broto, regador, pá, cavar, sol, chuva, vida, crescer, grama, minhoca etc.;

- Ir ao zoológico/parque/aquário - para aprender o nome dos animais.

Basicamente, precisamos responder a seguinte questão: “existe algo com o qual meu filho nunca teve contato? Se sim, como posso dar a ele essa experiência?”.

Convido os leitores a deixarem novas sugestões de atividades para ampliar vocabulário.


Um grande abraço,













segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Bilíngue = Bicultural

O poeta Enio costumava dizer que tinha três almas, pois ele acreditava ter uma alma para cada língua que falava. No caso, Enio dominava o grego, o latim e o osco, sendo a última sua língua pátria.
Ele dizia que tinha três almas (ou três corações, em outra tradução), pois via o idioma como uma extensão da cultura de um povo.

Não posso afirmar sobre a quantidade de almas, mas sobre o outro ponto acredito que ele estava certo. Termos e expressões são usados em um contexto e esse contexto é a cultura. 

A cultura do povo molda a forma como ele constrói o idioma, bem como a forma como ele o usa. Por exemplo, por que os ingleses sentiram a necessidade de diferenciar fingers de toes e os portugueses chamam ambos de dedos? Por que algumas línguas possuem mais nomes de cores do que outras?

Nesse sentido, em diversas línguas não há distinção entre as cores azul e verde. Por exemplo, em alguns casos, o idioma japonês usa a palavra  [Ao] (azul) para se referir a coisas que nós chamamos de verde, como semáforos. Em coreano, a palavra 푸르다 (pureuda) significa as duas cores. O mesmo ocorre em tailandês e na língua vietnamita.
Alguns pesquisadores (B. Berlin e Paul Kay) afirmam que uma língua só desenvolve palavras específicas para designar as cores cinza, rosa, laranja, violeta e marrom depois de estabelecida a distinção entre verde e azul. [Basic Color Terms: Their Universality and Evolution – 1969]

Da mesma forma, a tribo indígena Pirahã possui uma forma muito diferente de enxergar o mundo, e, em especial, números. Por não possuírem o conceito de números, apenas ‘muito’ e ‘pouco’, eles raciocinam nesses termos. Isso deve ser consequência de sua forma de subsistência (caçadores-pescadores). Não lhes interessa se são 4 ou 5 peixes, uma vez que ambos os números são baixos para alimentar a aldeia, logo, ‘pouco’. No mesmo sentido, 4 ou 5 capivaras devem ser mais do que o suficiente para alimentar a aldeia, logo, ‘muito’.

A tribo australiana Guugu Yimithirr usa leste, este, norte e sul, ao invés de direita e esquerda. Por consequência, seu senso de direção é mais apurado do que o dos ocidentais acostumados em usar referências egocêntricas, como ‘à minha direita’ e ‘à minha esquerda’.

Depois de tantas curiosidades linguísticas, chego nos finalmentes.

Para pessoas bilíngues, essas diferenças alteram suas formas de pensar. Uma criança bilíngue português/coreano terá uma percepção de cores diferente de uma criança monolíngue em coreano. Por outro lado, ela perceberá a relação língua-cor de forma muito menos rígida. 
Para um monolíngue, o nome dado para a cor torna-se absoluto em sua mente, e vira referência para suas comparações. Ou seja, se não existe um nome diferente para verde e para azul, a pessoa perceberá as duas cores de forma mais próxima do que alguém que aprendeu um nome para cada uma das cores. 
Por outro lado, uma criança bilíngue terá maior facilidade em ver o significado desassociado do significante por conhecer dois signos possíveis para aquela situação.

Calma, acho que me empolguei rs.

O significado é a coisa no mundo real, por exemplo, uma cadeira, ou seja, o objeto no qual sentamos. O significante é a palavra ‘cadeira’ ou a palavra ‘chair’ e por aí vai. O signo é essa relação palavra-realidade. Nesse caso, temos a relação ‘objeto para sentar/palavra cadeira’ e a relação ‘objeto para sentar/palavra chair’. Ou seja, dois signos (relações) entre dois significantes diferentes (palavras) para um mesmo objeto (significado).
Para um monolíngue, um signo tende a ser absoluto. Enquanto que o bilíngue entende que existem mais de um signo possível para a mesma situação, e, por conta disso, sua mente trabalha com ambas as possibilidades.

Uma criança bilíngue não saberá apenas falar duas línguas. Ela enxergará o mundo através de dois pontos de vista diferentes. Ela será exposta a duas culturas. E cabe aos pais garantir à criança esse contato com ambas as culturas. Em posts futuros, tentarei dar dicas de como dar aos seus filhos contatos com uma cultura, ainda que longe de casa.

Um grande abraço,

Alguns pensam fora da caixa, outros enchem a caixa com água e brincam!

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Problemas com Pronúncias?

Pais de criança bilíngues precisam ter em mente duas coisas o tempo todo.
1. Seu filho é bilíngue.
2. Seu filho ainda tem (X) anos.

Pode parecer algo trivial, mas às vezes não é. Vou usar um exemplo para explicar as ponderações.

A Yuna está com 3 anos, e fala muito. E quando eu digo muito, é muito mesmo. Rs.

Quanto mais ela fala, mais conseguimos perceber alguns vícios de linguagem e alguns problemas de pronúncia. Ela costuma trocar o ‘f’ pelo ‘p’ e o ‘v’ pelo ‘b’. O resultado fica assim: “Eu tô peliz com bocê.” Ela costuma falar isso de vez em quando. Em outros casos, ela pergunta se estamos ‘pelizes’ com ela. Aqui, é uma forma de perguntar se ela está se comportando bem.

Eu, porém, percebi isso primeiro em inglês em frases como “ip Biam (William) hits me, I bill cry”. Por um momento, fiquei preocupado. Será que eu, como não-nativo, estava ensinando ela a falar errado? Será que ela não seria realmente bilíngue? Será que ela falaria errado pra sempre?

Esses questionamentos não duraram muito. Eu vi que isso estava acontecendo nas duas línguas. Eu me lembrei dos meus sobrinhos monolíngues. Um deles ficou um bom tempo falando “Ramos (vamos) pra casa” eCarralo (cavalo)”. Hoje, ele fala muito bem.

Então, decidi ampliar meus conhecimentos e pesquisar sobre a evolução na pronuncia das vogais, consoantes e diferentes fonemas, em português e em inglês. O resultado foi o seguinte: existem alguns fonemas que são mais complexos, pois sua pronuncia requer movimentos mais finos. E, como em tudo mais, cada criança tem seu ritmo.

Para servir como guia para pais na mesma situação, segue uma breve lista:

Antes dos 4 anos, não se fala em “erro de pronuncia”.

Uma criança está dentro dos padrões se ela conseguir pronunciar bem as seguintes consoantes até os 4 anos: P, B, M, N (e W em inglês).

Até os 5 anos, ela deve conseguir usar as seguintes letras: m, p, b, g, t, d, n.
E, em inglês, acrescente: h, w, k, ng, y.

Apenas aos 6 anos, espera-se uma boa dicção das letras: f, v, ch.
Em inglês, ainda existem as combinações: th, sh, zh.

Por fim, apenas pode-se cogitar que algo esteja errado, caso a criança, depois dos 7 anos, não consiga pronunciar a lista acima, e diferenciar: s-z, r-rr.
E, em inglês, as terminações mudas th, ch, wh e o g curto.

As consoantes que estão fora dessa lista costumam não dar problemas e são aprendidas ainda cedo como d, c, l. Essas costumam aparecer na fase pré-verbal, onde o neném as repete infinitamente: da-dá, ca-cá, lá-lá-lá-lá-lá...

Essa comparação acima foi feita usando como base estudos de crianças monolíngues em português e em inglês. Isso significa que mesmo crianças americanas não terão uma pronuncia perfeita até os sete anos de idade.
Sendo assim, se o seu filho bilíngue ainda não tem a pronúncia perfeita e sem sotaque que os outros cobram de você, saiba que o motivo é a idade dele e não o bilinguismo. Se, por outro lado, ele está muito adiantado nessa lista, e consegue pronunciar o th e o f antes dos 5 anos, também não há razão para se preocupar (ou para taxa-lo de gênio – ainda que esse seja o instinto de todos os pais).

No final, a pronúncia e a dicção se desenvolvem na criança no tempo individual dela. Algumas crianças andam com 8 meses, outras com quase 2 anos. Algumas são desfraldadas com 1 ano, outras depois dos 5. E, da mesma forma, algumas crianças falam o v, f, th, ch com 2 anos e outras com 7.

O importante é respeitar o tempo do seu filho e não pressioná-lo. Nunca corrija os erros dele. Você pode, sim, mostrar a forma correta. Por exemplo:

Olha, uma plor amarela!”

ERRADO: “Não, filho. Não é PLOR, o certo é FLOR.”
CERTO: “Isso mesmo, filho. Que FLOR linda!”

Perceba que o raciocínio é o mesmo do bilinguismo. Vamos ver em outra situação.

Olha, mamãe, uma plower amarela.”

ERRADO 1: “Não, filho. FLOWER é em inglês. Comigo você precisa falar FLOR, em português.”
ERRADO 2: “Isso mesmo, filho. Que FLOWER linda!”

CERTO 1: “Isso mesmo, filho. Que FLOR linda!”
CERTO 2: “That’s right, my son. What a pretty FLOWER!”

Espero ter ajudado e aliviado algumas preocupações.

Um grande abraço,


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Um tanto quanto "of-perente"

Existem palavras que só pais de crianças bilíngues conhecem.
Hoje, vou apresentar três pérolas que a Yuna soltou:

"Daddy, it's not come-outting."

"Mamãe, eu também quero smellar." (cheirar + smell)

Mas, a mais engraçada demorou para que nós compreendêssemos.

"Of perente"

Quebramos a cabeça tentando entender o que seria isso. Pelo contexto, vimos que ela queria dizer "different". Mas de onde havia surgido essa construção?! rsrs

Um dia, percebi que ela faz uma leve pausa ao falar diferente. Ela fala "di-perente".
Nós somos paulistas, então pronunciamos o 'e' como 'i' em muitas palavras.
Nós falamos "verdadi" no lugar de "verdade". "Telefoni" no lugar de "telefone".
E falamos "di" no lugar de "de".
Então, nós falamos "Eu ti amo di verdadi."

Aí entendemos! Ela achou que diferente era igual a "di ferente", ou seja, "de ferente", como se "ferente" fosse um adjetivo como "de verdade" ou "de mentira".
Ela então traduziu o "de" para "of", e manteve o resto da palavra intacta.

Devo dizer que o resultado ficou lindo, fofo e super "OF-PERENTE".

E vocês, já precisaram virar verdadeiros Sherlocks para desvendar a lógica usada pelos seus pequenos?


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Blog

Inauguro esse espaço para passar um pouco o dia-a-dia de como está sendo essa nova aventura de criar filhos bilíngues. Basicamente, este espaço será destinado a pérolas, dicas, curiosidades e relatos pessoais.
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