Birra ou tantrum? Chega ou enough? Castigo ou time-out?
No caso de crianças bilíngues, como devemos disciplinar nossos filhos?
Essa dúvida veio da leitora Bianca, e tomei a liberdade de respondê-la com um post.
Irei relatar aqui o que fazemos e os motivos que nos levaram a agir dessa forma. Ainda assim, quem tem filho sabe que não existem fórmulas mágicas e que cada teoria, na prática, é de um jeito.
Nós buscamos manter o mesmo padrão de 'cada pai, uma língua', incluindo quando precisamos dar uma bronca ou uma explicação.
Nesse caso, porém, não fazemos uma tradução simultânea. Nós seguimos a conversa.
Por exemplo, se a Patty diz:
"Como você iria se sentir se seus amiguinhos não dividissem os brinquedos?"
Eu continuaria com:
"You would fell sad, right? And that's exactly how your friends fell when you don't share your toys."
Obviamente, uma certa repetição é inevitável quando estamos explicando algo a um toddler (inclusive, é desejada para que a mensagem seja bem fixada rs). Porém, temos que tomar cuidado para não fazer uma tradução, dando a ideia de que a criança "não precisa" entender nas duas línguas, pois, como já falei algumas vezes, se a criança perceber que só precisa saber uma das línguas, ela pode preferir usar o seu tempo de aprendizado para outras coisas.
Essa abordagem é mais fácil para casais que falam ambas as línguas, pois um já sabe o que o outro disse. Em alguns casos, porém, um dos pais não conhece o outro idioma ou cada um vai falar sobre o assunto em um momento diferente. Nesses casos, é natural que o segundo queira se 'certificar' de que a criança aprenda e queira repetir toda a conversa novamente.
Essa segunda conversa deve ser feita de forma bem cuidadosa por três grandes motivos, sendo que apenas um trata do bilinguismo.
Então, se um dos pais já explicou para a criança o que ela fez errado e já a disciplinou:
1. A criança já ouviu a explicação em uma língua. Como estamos criando filhos bilíngues, essa explicação já deve ser suficiente para que a criança entenda;
2. A mãe/o pai já disciplinou a criança. Repetir a explicação irá passar para à criança a ideia de que você não confia na explicação dada pelo pai/mãe e que a criança só deve ouvi-la se você "ratificar" a explicação.
3. A criança já ouviu a explicação uma vez. É muito provável que ela ainda não tenha tido tempo de aplicar o novo comportamento, então, na prática, ela irá receber duas broncas pelo mesmo motivo. Isso pode frustrá-la, pois ela pode achar que o pai/mãe não acredita que ela irá melhorar aquele comportamento com apenas uma conversa.
Feitas essas ressalvas, acho que uma segunda conversa pode ajudar em alguns casos. Por exemplo, ao invés de dar outra bronca, converse com a criança sobre a 'bronca' e peça para ela te explicar o que ela aprendeu. Isso demonstra interesse na vida da criança e dá a ela a sensação de que a bronca já passou e que agora ela já aprendeu. (lembre-se de perguntar das coisas boas também)
Para as crianças bilíngues, ainda é uma chance de fornecer vocabulário para a criança no segundo idioma.
Voltemos ao exemplo. A Patty já conversou com as crianças sobre dividir durante o dia, de noite, peço para eles me contarem o que aconteceu e como foi a conversa.
Se ela me contar em inglês, ótimo, pois já mostra que ela possui aquele vocabulário.
Se ela me contar em português, eu posso reafirmar o que ela diz em inglês, para que ela conheça o vocabulário no outro idioma.
"Eu não dividi os meus brinquedos e a mamãe falou que isso fez meus amigos ficarem tristes."
"Very nice, darling. Now you know that when you don't share your toys, your friends will be sad."
Existe um outro aspecto bastante relevante acerca de dar broncas em outro idioma. A escolha do idioma para dar a bronca deve fazer sentido para a criança.
Isso significa que se o pai sempre usa o português para falar com os filhos, porém sempre usa o japonês para dar broncas, os filhos irão associar o japonês com uma interação negativa. No longo prazo, isso pode gerar uma resistência em utilizar o idioma.
Em alguns casos, o outro idioma é utilizado para 'preservar a criança' de eventual humilhação. Nesse sentido, a língua é utilizada para dar maior privacidade à criança.
Esse segundo caso se aproxima mais do ML@H, onde a família usa um idioma diferente da comunidade onde habitam. Em situações como essa, a criança logo entenderá que você está usando o outro idioma para não precisar sussurrar ou ir para um outro lugar.
Como sugestão, com base em tudo que eu disse, sugiro que vocês continuem usando cada um uma língua, tomando cuidado para não ficarem traduzindo um ao outro, com a única hipótese para mudar de língua sendo para falar algo em público que, caso não mudassem de língua, teriam que sussurrar.
Espero ter ajudado =)